domingo, 24 de março de 2013


POR QUE GOSTAMOS DE APRENDER?



Existe uma enorme diferença entre o processo de aprendizagem revelado pelos animais e pelos homens. Os animais aprendem porque necessitam aprender e, dessa forma, seu instinto e sua carga genética sinalizam a importância evolutiva de sua aprendizagem. Não existem animais “ignorantes”, pois, se assim o fossem, por certo não teriam elementos para sobreviver. E possível, portanto, concluir que os animais não aprendem por prazer, ainda que não poucas vezes gostem de se deleitar e usufruir prazer com o que puderam aprender.

Os homens, nesse aspecto, são completamente diferentes dos animais. São seres que também precisam aprender, mas fazem dessa ação algo além da necessidade, mostrando que gostam de aprender. Podem até não gostar de aprender aquilo que se lhes quer ensinar, mas, quando a aprendizagem é livre, não hesitam em se desafiar na iniciativa de cada vez querer saber mais e melhor. Diante da simplicidade desse quadro comparativo, emerge a pergunta: o que possui de diferente a espécie humana que a faz gostar de aprender? Uma resposta mais imediata apontaria para suas inteligências.

O homem possui cérebro privilegiado em relação às demais espécies do reino e, dessa forma, tem meios para dar maior estímulo e dimensão às suas capacidades. Essa resposta é razoável, mas não satisfaz, pois é, ao mesmo tempo, causa e efeito. O homem gosta de aprender porque é inteligente, ou é inteligente porque gosta de aprender? A pergunta, no entanto, ainda fica e é por ela que aqui se especula. Pensamos assim que, independente da qualidade incomparável de seus equipamentos cerebrais, o homem gosta de aprender porque sua espécie revela quatro atributos específicos. São eles:


O primeiro é sua curiosidade. As espécies animais mais evoluídas mostram-se curiosas, mas a dimensão desse anseio em nada se compara à
humana. O homem é, literalmente, um enorme xereta, intrometido, bisbilhoteiro e isso o fez cientista. Por isso avançou muito em suas descobertas, saciando, com voracidade, o apetite do saber, Além de extremamente curioso, é também o ser humano extremamente ousado, arriscando-se muito além dos limites mínimos de segurança. Confiante em demasia, é mais destemido, mais petulante, mais corajoso e imprudente que qualquer espécie. Essa característica o difere dos mais ousados animais: os mamíferos possuem muita coragem quando estão famintos ou se defendem a prole, enquanto a humanidade exercita a coragem por prazer, busca riscos por diversão, ousa pela euforia do ousar. Por assim ser, evoluiu, construiu, desmanchou, edificou e solidificou-se como dominadora absoluta e irrefletida da natureza.

Além da coragem e da ousadia, a humanidade é a única espécie a criar crenças como se fosse portadora de um cérebro que não explicações ilógicas, inventando respostas que progressivamente são mudadas. Essa capacidade de inventar respostas, mesmo que não inteiramente satisfatórias, fez do homem um ser criador e destruidor de hipóteses e, entre acertos e erros, mais acertou ainda que muito tenha errado.

Finalmente, o homem é a única espécie que desenvolveu a habilidade de fazer de todos os seus sentidos ferramentas de aprendizagem. Aprendemos quando ouvimos, quando falamos, aprendemos pelo olfato, pelo tato e pelo paladar e, por isso, mais que outros, melhor aprendemos.
Intempestivo, o homem nunca aceita um saber como completo e, dessa maneira, possui sentidos que se desafiam entre si para que a aprendizagem seja mais ampla e eficiente.

Aqui chegando, chega-se ao centro maior da aprendizagem que, quer aceitemos ou não, é a escola. Ainda que a vida mais nos ensine, é a escola a instituição criada para ensinar e, se assim o é, cabem as seguintes questões: a escola que temos exalta e aplaude a curiosidade do aluno? Nas aulas, a ousadia da criatividade é premiada? Existem estímulos e projetos sistemáticos para que os alunos sejam levados a construir, testar, destruir e inventar hipóteses? A escola usa todos os sentidos na aprendizagem? Propõe desafios intrigantes e curiosos voltados para a cooperação e a ação? Será que não exalta mais o ouvir em detrimento do ver, do memorizar, do explorar, da intuição e do olfato?

Impossível imaginar as respostas que serão dadas a essas prosaicas questões. Sejam elas, entretanto, quais forem, pelas mesmas se identificará
a qualidade da escola e a verdadeira ação educativa do professor, seu agente mais insigne.

Celso Antunes.